Resenha: The Insulated World – Dir en grey

capa do álbum 'the insulated world'; a imagem mostra um rosto humanoide cheio de formas e cores diferentes

Reprodução da capa do álbum (© Firewall Div.)

Houve uma época em que toda vez que o Dir en grey, um dos maiores nomes do metal japonês atualmente, anunciava um novo disco, a pergunta que se fazia era: qual o direcionamento musical que o quinteto adotará? Bem, essa época parece ter chegado ao fim.

O grupo se agarrou a uma zona de conforto. Se os trabalhos de estúdio deles descrevessem uma curva num gráfico peso x tempo, poderíamos dizer que, a partir de Uroboros, a curva foi ficando cada vez menos acentuada e quase paralela ao eixo de tempo.

Assim, o décimo álbum deles, The Insulated World, é uma continuação natural de Arche e Dum Spiro Spero, ambos ótimos (e resenhados neste blog aqui e aqui, respectivamente). Acontece que a estratégia de focar neste tipo de som – uma indefinível mistura de metal experimental, alternativo, progressivo, thrash, death e metalcore – é uma faca de dois gumes.

Por um lado, a banda se garante num terreno confortável: se os três discos anteriores foram bem recebidos pela crítica e pelos fãs, o que poderia dar errado com este, que reproduz a estética de seus antecessores?

Por outro lado, a característica principal do Dir en grey sempre foi justamente não ter característica nenhuma. As mudanças de um lançamento para o outro sempre eram gritantes (em alguns casos, literalmente), ainda mais para um conjunto que nunca mudou sua formação.

Assim, o que podemos constatar a esta altura da carreira deles é que eles continuam agradando, e muito, mas não surpreendem mais. Claro que ouvir faixas ótimas como “Keibetsu to Hajimari”, “Devote My Life”, “Downfall” e “Zetsuentai” pela primeira vez não deixa de ser uma experiência gratificante e inédita.

E vez ou outra até ouvimos algo bastante novo, como a introdução de “Rubbish Heap” e o instrumental de “Followers”, sem falar nas regravações de “Kigan”, “The Deeper Vileness” e “Wake”, que “atualizam” músicas da década passada, quando o som da banda era bastante diferente.

Mesmo assim, a tendência parece ser que cada vez menos tenhamos o “fator ‘uau!'” nos álbuns do Dir en grey. E olha que é difícil não ficar boquiaberto com o quanto esse quinteto soa bem: as linhas proeminentes do baixista Toshiya, os diálogos das guitarras de Kaoru e Die, a perícia de Shinya na bateria e, é claro, os vocais de Kyo, que são um charme à parte.

The Insulated World é um trabalho excelente e merecedor de todos os elogios dos fãs e da crítica – vide a nota que esta mesma resenha atribuirá logo abaixo. Mas ouvir música sem refletir é uma tarefa feita pela metade. Até o mais apaixonado dos fãs não pode se furtar de admitir que a banda está caindo numa mesmice – uma mesmice boa, mas atípica para o grupo. Que os membros enjoem disso antes que os fãs…

Nota = 4/5

Abaixo, o clipe de “Ningen wo Kaburu”:

Resenha: Immortalis – sukekiyo

Breve histórico: sukekiyo é o projeto solo do cantor Kyo, vocalista do Dir en grey, uma das mais famosas bandas japonesas. Conta com dois ex-membros do Rentrer en Soi: Takumi (guitarra/piano) e Mika (bateria). Completam a formação o guitarrista Uta (ex-9Goats Black Out) e o baixista Yuchi (Kannivalism).

Reprodução da capa do álbum (© Firewall div.)

Reprodução da capa do álbum (© Firewall div.)

Talvez o membro mais popular do quinteto japonês, Kyo não é bem aquele frontman simpático e alegre que sai pulando e sorrindo pelo palco. Até pouco tempo atrás, os shows da banda eram marcados por seus atos de automutilação. Maquiagem corporal simulando queimaduras e esqueletos também não eram incomuns. Hoje, suas performances são um pouco mais leves, mas nem por isso menos sombrias.

Era de se esperar, portanto, que um lançamento solo de Kyo fosse um trabalho de bastante personalidade. Quem é fã de Dir en grey certamente simpatizará com Immortalis, primeiro lançamento solo do sukekiyo. O som é bastante influenciado pelos últimos dois álbuns da banda principal do vocalista: sombrio, melancólico e “deprê”. Mas sem muito peso – as guitarras, tímidas, não demonstram agressividade na maior parte das faixas. É como se Kyo, que já lançou livros de poesia, quisesse apenas criar uma atmosfera sonora para suas sempre criativas letras.

Uma atmosfera bem difícil de se classificar, diga-se de passagem, tal como é o som do Dir en grey. Para esses momentos de dificuldade, sobram sempre os rótulos fáceis como “rock/metal alternativo”.

Mas há algumas músicas mais “encorpadas” também. “Latour”, “Nine Melted Fiction” e “Hidden One” são exemplos. O time de instrumentistas, desconhecido para quem acompanha só de longe a cena japonesa do rock/metal, demonstrou competência e técnica para dar sustentação sonora à proposta do vocalista. São linhas “sérias”, sombrias, misteriosas.

Mas não foi apenas nas letras que Kyo demonstrou capacidade aqui. Quem acompanha o Dir en grey sabe bem que Kyo é um sujeito tecnicamente habilidoso. Do gutural aos agudos, passando por sussurros tenebrosos, gritos agoniantes e rosnados raivosos, o japonês aproveita o espaço que é só seu para mostrar por que tem tantos fãs por aí.

Nota: 8. Não chega a ser uma obra prima da música nipônica, mas sem sombra de dúvidas um trabalho bastante pessoal e marcante. É a primeira vez que um membro do Dir en grey se aventura num projeto solo, e se alguém tinha alguma dúvida da eficácia desta manobra, Kyo acaba de saná-la. Qualquer tentativa de se criar um segundo disco do sukekiyo será bem-vinda agora que já sabemos que o projeto tem brilho próprio.

Aqui, o vídeo de “Aftermath”, não disponível no YouTube.

Resenha: Dir en grey mostra com “Dum Spiro Spero” que está melhor do que nunca

Breve histórico: Dir en grey é um dos grupos japoneses de rock/metal mais bem sucedidos fora do Japão, tendo feito turnês nos EUA, na Europa e na América do Sul. Desde 1997, quando começaram, mantêm a mesma formação: Kyo nos vocais, Kaoru e Die nas guitarras, Shinya na bateria e Toshiya no baixo. No início, eram um grupo Visual Kei, mas hoje se vestem de maneira menos chamativa. Seu som também sofreu mudanças: foi ficando claramente mais pesado com o tempo. Já fizeram álbuns tão diversos e sua música é tão peculiar que classificá-los como algo menos genérico do que rock/metal é uma tarefa virtualmente impossível.

Reprodução da capa do álbum (© Firewall Div.)

Para o ouvido destreinado, o Dir en grey contemporâneo pode parecer apenas uma banda de metal extremo que faz músicas cheias de gritos e riffs pesadíssimos de guitarra. Contudo, um pouco de atenção ao ouvir o som do grupo logo desconstrói esta imagem falha. O Dir en grey é sim uma banda pesada, Kyo de fato grita bastante, mas mesmo assim, a primeira palavra que vem à cabeça ao se ouvir os dois últimos álbuns deles (este e o Uroboros) é “maturidade”. O antepenúltimo álbum, The Marrow of a Bone, também era pesado, mas nem tão maduro quando seus sucessores. E o que vem a ser um som “maduro”? É só ouvir Dum Spiro Spero (“Enquanto respiro, eu espero” em latim) para descobrir, embora seja preciso conhecer a discografia da banda para absorver e compreender a evolução musical pela qual eles passaram.

Seguindo a fórmula do álbum anterior, o disco abre com uma faixa instrumental (se não considerarmos as exclamações ouvidas ao fundo) e curta, “Kyoukotsu No Nari”, seguida pela misteriosa “The Blossoming Beelzebub”. Lenta, sombria e marcada por toques de órgão e gritos agoniados de Kyo, é um prelúdio do que está por vir. O single “Different Sense” vem em terceiro, e é uma amostra da combinação vocais limpos + gritos agudos que Kyo vem utilizando para caracterizar o som da banda.

“”Yokusou Ni Dreambox” Aruiwa Seijuku No Rinen To Tsumetai Ame” e “Juuyoku” combinam todos os elementos das faixas anteriores com mais velocidade. É aí que Dum Spiro Spero começa a mostrar mais energia. “Shitataru Mourou” e o single “Lotus” desaceleraram um pouco o ritmo e preparam o terreno para “Diabolos”, a mais longa do álbum, e certamente uma das melhores, tão boa que pode até competir com a também longa “Vinushka”, do Uroboros.

“Akatsuki” é um respiro separando “Diabolos” da rápida “Decayed Crow”, marcada por sons peculiares, meio eletrônicos, das guitarras de Kaoru e Die. E quando tudo indica que o álbum será todo gritos e riffs agressivos, eis que aparece “Vanitas”, que pode ser considerada uma balada perto das outras faixas. Kyo canta com uma emoção que chega a arrepiar. Para fechar a obra, “Ruten No Tou”, que não traz nada de muito especial, mas termina com eficiência um dos melhores discos que a banda já fez.

Há ainda duas faixas bônus: uma regravação de “Rasetsukoku”, lançada em 2000 no álbum Macabre; e uma versão sinfônica de “Amon”, que adiciona elementos orquestrais à faixa. Ambas valem muito a pena serem ouvidas.

Nota = 9,0. Se alguém tinha dúvidas quanto ao Dir en grey conseguir ou não fazer algo próximo do Uroboros, a resposta está aí, e é definitivamente sim, eles podem. Cada um dos membros se superou: Kyo está cantando (e berrando) mais do que nunca. Kaoru, Die e Toshiya estão mais criativos do que nunca. Shinya está mais técnico do que nunca. A banda está melhor do que nunca. É preciso ouvir algumas faixas mais de uma vez para absorver toda a musicalidade trazida pelo quinteto.

Abaixo, a faixa “Decayed Crow”, uma das melhores do álbum: