Resenha: A View from the Top of the World – Dream Theater

imagem de um desfiladeiro com uma rocha enxaixada no meio, uma cidade ao fundo e sob um céu azul. Há um par de botas na deira do precipício com um pequeno homem em cima de uma delas e um objeto esgui na rocha encaixada

Reprodução da capa do álbum (© Inside Out Music; arte por Hugh Syme)

Iniciando a história do seu estúdio particular (DTHQ), o quinteto estadunidense de metal progressivo Dream Theater chega ao seu décimo quinto álbum (o quinto em dez anos!), A View from the Top of the World.

Com uma estrutura “clássica” para a banda, o disco traz poucas faixas (apenas sete), com três beirando ou superando os dez minutos. E nos seus setenta minutos, consegue mostrar tudo que o grupo tem de melhor, de uma forma até que direta e coesa.

É como uma continuação do lançamento anterior, Distance over Time (clique aqui para conferir minha resenha a respeito), que foi deliberadamente criado de forma “rápida” e focada. Talvez este não tenha sido criado com este espírito em mente, mas o resultado foi este mesmo.

Quem gosta do lado mais intrincado e pesado deles não terá do que reclamar após ouvir as duas primeiras (“The Alien”, “Answwering the Call”). Quem tem uma quedinha por aqueles momentos mais setentistas que o grupo manda de vez em quando pode contar com a bela “Transcending Time”.

E até na hora de soar relativamente comercial/baladesco (“Invisible Monster”), eles acabam soltando uma letra com a qual é praticamente impossível não se relacionar.

As três épicas (“Sleeping Giant”, com pouco mais de 10 minutos; “Awaken the Master”, beirando a mesma marca; e a faixa-título, com mais de 20) não deixam nada a desejar. Ou quase nada. Pelo menos nessas audições iniciais, nenhuma parece fazer jus a “Illumination Theory”, “A Nightmare to Remember”, “The Ministry of Lost Souls” e outros mastodontes antológicos dos caras.

Pode ser resultado do fato de que o quinteto investiu numa escrita um pouco mais “acessível”, de modo que esta obra pode ser comparada com o Octavarium, de 2005 (inclusive pela capa levemente parecida). Os solos são curtos e diretos ao ponto, sensivelmente menos “fritados” que os mais típicos.

Isso não desvaloriza, absolutamente, a ala instrumental, que investiu em dinâmica para fazer com que mesmo as canções mais longas soem interessantes. Há momentos para valorizar cada um dos integrantes e passagens que exibem bem a química desta formação, que em 2022 se tornará a campeã isolada em longevidade na história do Dream Theater.

Meu único “pé atrás” com A View from the Top of the World é que tudo me soou incrivelmente previsível. Às vezes, quando James LaBrie começava a cantar um verso, ou quando algum instrumentista iniciava uma linha, meu cérebro automaticamente completava as notas. Fiquei um tanto preocupado de não ter sido surpreendido desta vez. Talvez o tempo mude minha impressão (como aconteceu com o A Dramatic Turn of Events, que hoje considero melhor do que considerei quando saiu; clique aqui para ver o que eu achei na época).

Enquanto isso não acontece, fica o reconhecimento de que se trata de um bom trabalho de uma das melhores bandas do mundo, o que o torna automaticamente um dos melhores discos do ano.

Avaliação: 4/5.

Abaixo, o clipe de “The Alien”:

Resenha: Liquid Tension Experiment 3 – Liquid Tension Experiment

Reprodução da capa do álbum. Trata-se de uma arte abstrata cheia de cores manifestas em grandes gotas e bolhas, com o nome do disco centralizado em fontes estilizadas. O nome dos quatro membros aparecem no topo, enfileirados.

Reprodução da capa do álbum (© Inside Out Music)

Era mera questão de tempo. Depois do lendário baterista Mike Portnoy voltar a gravar com seu ex-colega de Dream Theater John Petrucci – no caso, participando do segundo lançamento solo do guitarrista, resenhado por mim aqui -, era natural que o quarteto de metal progressivo instrumental Liquid Tension Experiment acabasse ressuscitado cedo ou tarde. Pra nossa sorte, prevaleceu o “cedo”.

Completado pelo inacreditável Jordan Rudess (tecladista que hoje está no Dream Theater mas na época do nascimento do LTE ainda era só um sondado) e pelo incontestável Tony Levin (baixista super requisitado), o supergrupo aproveitou a pandemia para conceber o seu terceiro disco de estúdio (desconsiderando os trabalhos lançados por variações do conjunto em formato de trio).

Previsivelmente intitulada Liquid Tension Experiment 3, a obra já abre com a intensíssima “Hypersound”, que serve como uma espécie de “cartão de visitas enganoso”. Os ouvidinhos delicados que chamam de “fritação” qualquer compasso que contenha mais de uma ou duas notas já sabem desde o início que este álbum não é para eles. Ao mesmo tempo, porém, o trabalho nem sempre é sobre solar até sangrar os dedos.

Na verdade, a música que ouvimos aqui é mais ou menos o que o Dream Theater faria hoje se Mike Portnoy não os tivesse deixado. E é exatamente por isso que achar que Mike voltará ao grupo por conta destas colaborações recentes é inocência, e nada mais.

Outras faixas que valem comentários incluem “Rhapsody in Blue” é um dos destaques, com um clássico da música erudita estadunidense assinado por George Gershwin se transformando em uma divertida e intrincada aventura sonora, com direito a uma longa passagem com uso de swell na guitarra; a música já era tocada por eles desde 2008 e esta passagem mais tarde inspiraria o longo (e belíssimo) solo de “The Count of Tuscany”, joia do Black Clouds & Silver Linings (2009) do Dream Theater.

“Shades of Hope”, o outro dueto (envolvendo a outra metade da banda) é o equivalente a uma balada, com grande destaque para John, recuperando momentos que remetem a “Funeral for a Friend” (cover que o Dream Theater costumava fazer na época do Derek Sherinian) e “The Best of Times”.

“Chris & Kevin’s Amazing Odyssey”, continuação da série de duetos de Mike com Tony, é a mais experimental e surpreendentemente a menos interessante, seja comparando às demais faixas ou com as antecessoras da série. Mesmo para os fãs mais liberais, fica difícil de engolir uma peça que parece ter sido gravada com Tony arrastando seu baixo pelo estúdio como um cão morto na coleira.

O disco bônus nos traz a essência do quarteto: improvisação. São cinco canções bem mais livres, despretensiosas e sem rumo, mas que nos deleitam porque você pode facilmente imaginar os quatro juntos apenas jogando ideias uns para os outros sem abrir a boca. Só quem já teve o prazer de fazer isso sabe que a experiência é inigualável. Alguém poderia argumentar que é uma performance que só faz sentido para quem está lá realizando-a, mas, ei, é o disco bônus.

Conectando-se à discografia do Liquid Tension Experiment como se não fossem impressionantes 22 anos de distância, Liquid Tension Experiment 3 já está na lista de grandes lançamentos do ano antes mesmo de finalizarmos o primeiro terço dele.

Avaliação: 5/5.

Abaixo, o vídeo de “Hypersonic”:

ERRAMOS: Anteriormente, este texto informava que o trecho em swell em “Rhapsody in Blue” parecia inspirado num trecho similar em “The Count of Tuscany”; conforme este tweet de Mike Portnoy, na verdade foi a segunda que foi inspirada na primeira.

Resenha: Terminal Velocity – John Petrucci

Reprodução da capa do álbum 'Terminal Velocity', de John Petrucci; trata-se de uma imagem caótica de fragmentos espalhados aleatoriamente com o nome do músico e da obra escritos ao cento

Reprodução da capa do álbum (© RenSam Songs/Sound Mind Music)

Depois de dez anos de choradeira, a turma do #voltaPortnoy finalmente ganhou um alento. John Petrucci, lendário guitarrista do lendário quinteto estadunidense de metal progressivo Dream Theater, aproveitou 2020 para lançar seu segundo disco solo – 15 anos após Suspended Animation, o primeiro – e fez os olhinhos dos fãs brilharem ao anunciar que o lendário baterista Mike Portnoy, seu ex-colega de banda, tocaria na obra.

Essa parceria vem em ótima hora. Não, não falo de nós, os otários que ainda respeitam a quarentena e precisam de boa música para torná-la mais suportável. A hora é ótima porque a separação foi amarga, mas os primeiros dez anos da era pós-Portnoy estão terminando docemente para ambas as partes. O grupo recrutou Mike Mangini para as baquetas e lançou quatro pérolas (se bem que a metal opera The Astonishing para muitos foi uma bomba), enquanto que Mike Portnoy incorporou o Hal Blaine e participou de incontáveis produções musicais, seja como membro oficial ou de apoio, e todas muito bem recebidas pela crítica. É muito justo que os “dois Ps” encerrem essa frutífera década tocando juntos novamente.

Antes de iniciar a análise da obra de fato, não posso deixar de registrar que uma terceira e última lenda participou dela, mas acabou um tanto ofuscada nesse fuzuê todo: no baixo, temos Dave LaRue, outro prolífico músico de apoio que coincidentemente é colega de Portnoy no supergrupo Flying Colors. Ele já havia tocado no Suspended Animation.

Terminal Velocity, como tudo em que esses três senhores tocam, é um trabalho de qualidade quase inalcançável. O que não quer dizer que seja a melhor coisa que o mestre das seis cordas já tenha feito. Vamos lá:

A faixa de abertura, autointitulada e lançada como primeiro single, agrada os fãs mais adeptos, mas não traz nada de muito empolgante em comparação ao que ouvimos 15 anos atrás. Ela acabou bastante incensada na imprensa por marcar o reencontro de Petrucci & Portnoy.

É na segunda (“The Oddfather”) que o guitarrista começa a bater mais suas asinhas, num trabalho com temperos djent que nos faz lembrar de Richard Henshall, um dos maiores talentos guitarrísticos da atual geração.

“Happy Song” é exatamente o que seu título diz ser, e não tenho muito mais o que acrescentar, exceto o fato de que o primeiro minuto começa com uns dedilhados que me remeteram a “Universal Mind”, do Liquid Tension Experiment (o projeto paralelo que reunia Petrucci, Portnoy, Jordan Rudess (então futuro tecladista do Dream Theater) e o baixista Tony Levin), seguido por umas progressões francamente pop punk, algo que nunca esperei ouvir dele.

O próximo grande destaque vem em seguida com “Gemini”, muito rica e variada, com direito a passagens de forte apelo mediterrâneo, como se Petrucci honrasse seu sangue italiano. Ela é seguida por outro ponto alto, “Out of the Blue”, um trabalho muito delicado de blues que me faz cogitar a possibilidade do japonês Tak Matsumoto ter um improvável admirador do outro lado do Pacífico.

“Glassy-Eyed Zombies” apelará aos mais adeptos da técnica e da complexidade, com Portnoy entregando uma performance acima de sua média no disco. “The Way Things Fall”, encerrada com uma inconfundível virada de Portnoy, é outra bem reminiscente do Suspended Animation.

“Snake in My Boot” tem fortes aromas de glam, hard rock e um metal mais “made in U.S.” e o encerramento “Temple of Circadia” parece ser o tipo de som que o Dream Theater estaria fazendo se Portnoy não tivesse saído.

Quando eu disse que o álbum não era a melhor coisa que Petrucci já tinha feito, quis dizer que ele é representante de uma espécie mais comum do que se imagina: a dos músicos que exploram mais seus talentos numa banda do que em carreira solo. Seus solos e riffs mais empolgantes ainda são os feitos para o Dream Theater.

Neste caso em questão, é bem compreensível: tocar com aquela turma não é para amadores. É até natural que o guitarrista use sua pouco gasta carreira solo para “relaxar” um pouco e livrar-se da pressão de sempre ter que tocar igual a um extraterrestre. E ganha-se espaço ainda para tentar explorar terrenos que dificilmente seriam acessados fora da carreira individual, como blues e world music.

Nota = 4/5

Abaixo, o clipe de “Terminal Velocity”: