Resenha: A Shadow of My Future Self – Ross Jennings

foto de Ross Jennings encostado em uma parede e segurando uma guitarra. quase tudo está pintado de roxo

Reprodução da capa do álbum (© Graphite Records; arte por Blacklake)

Depois do guitarrista/tecladista Richard Henshall realizar sua estreia solo – o empolgante The Cocoon, cuja resenha você confere aqui -, é a vez de mais um integrante do quinteto britânico de metal progressivo Haken alçar voos solitários: Ross Jennings, o vocalista (que também ataca de guitarrista neste lançamento).

Sua voz sempre chamou a atenção pela elevada dose de melosidade, uma característica adequada, mas nem sempre escolhida por grupos do gênero. E aquilo que parecia provável se confirmou de vez: sim, ele tem um pé forte no pop. Mas como todo bom músico, ele soube fazer tudo com maestria.

A Shadow of My Future Self – seja lá o que este título queira dizer com “uma sombra do meu futuro eu”, que é sua tradução livre – é uma aventura musical exclusiva para quem não tem frescura nem mente fechada. O cantor britânico explora em impressionantes 80 minutos uma vasta gama de influências, mostrando que o Haken tem que se sentir privilegiado por poder chamá-lo de “nosso vocalista”.

“Better Times”, nascida a partir de uma tentativa de interpretar “Dancing in the Dark” (do Bruce Springsteen) tem uma vibe country que cai bem na voz melosa de Ross, mas é em “Words We Can’t Unsay” que o “quê” mais progressivo começa a se mostrar. Taí uma faixa que consegue o impossível e passeia de Yes a The Mighty Mighty Bosstones.

Outros momentos como “Violet” e “The Apologist” vão agradar os que não querem nada muito distante do Haken, mas parte significativa da magia do álbum reside justamente nos momentos menos hakeanos.

Além da já mencionada “Better Times”, temos por exemplo “Catcher in the Rye”, “Since That Day”, “Feelings” e “Third Degree” mergulhando mais fundo no pop e na música radiofônicas em geral (o próprio vocalista admite que Coldplay é um freguês nas suas playlists). Não por um acaso, quase todas podem ser consideradas baladas.

Esse apelo radiofônico não nos privou de canções épicas. Até porque, pop não precisa ser necessariamente curto. Um exemplo é “Young at Heart”, que o cantor vê como blues mas que não tem quase nada do gênero exceto a sensualidade dos ritmos. Outro é “Phoenix”, um dos pontos altos, e a mais longa. Inspirada em Coldplay e Anathema (e sim, essas influências gritam aqui), ela talvez não exigisse tamanho comprimento, mas empolga de qualquer forma.

Importante constar que Ross entregou este ótimo trabalho amparado pelo baixista Nathan Navarro (Devin Townsend), o tecladista Vikram Shankar (Redemption, Lux Terminus, Silent Skies) e o baterista Simen Sandnes (Arkentype), além dos convidados Blasemafian nos metais.

Numa empreitada multi-gênero que fica próxima até do exotiquíssimo Swagger & Stroll Down the Rabbit Hole, do Diablo Swing Orchestra (clique aqui para conferir minha resenha a respeito), A Shadow of My Future Self só não me permite dizer que é Ross Jennings em sua melhor forma porque, bem, ele acabou de iniciar a carreira solo e gosto de pensar que ainda há espaço para melhorar, palavra que aqui adota também o significado de “arriscar”.

Avaliação: 5/5.

Abaixo, o clipe de “Violet”:

Resenha: Virus – Haken

capa do álbum 'Virus', de Haken. Trata-se do desenho de um vírus preto com o nome da banda e o nome do álbum centralizados e na parte de cima, ante um fundo amarelo mostarda

Reprodução da capa do álbum (© Inside Out Music; arte por Blacklake)

Nossos cérebros mal haviam se recuperado do sacolejo a que foram submetidos em 2018 com Vector (clique aqui para conferir minha resenha a respeito), e o sexteto inglês de metal progressivo Haken já reaparece com sua continuação: Virus, que teria sido lançada até antes, não fosse uma série de adiamentos provavelmente causados pelas limitações que a pandemia de COVID-19 impôs ao mundo.

E falando na doença, antes de iniciar uma campanha no Twitter para “cancelar” a banda por usar um título desse num momento em que todos os países do mundo (exceto o Brasil, aparentemente) lutam justamente contra um vírus, é interessante saber que, não só estava a obra praticamente pronta antes da pandemia, mas ela versa sobre os mesmos temas sanitários de seu antecessor, tornando seu nome algo convincentemente inocente.

A ideia da “dobradinha” é desenvolver o conceito de “Cockroach King”, um dos destaques do clássico terceiro disco deles The Mountain (clique aqui para conferir minha resenha a respeito). Assim, Virus é uma evolução bem natural do seu antecessor, tanto nas letras quanto no instrumental. As faixas variam em termos de duração, mas a maioria é bem pesada e crua – tão crua que relegou o tecladista Diego Tejeida a um pano de fundo que não lhe é costumaz em boa parte do tempo.

As comparações com Vector serão inevitáveis, especialmente porque é a primeira vez que o sexteto realiza dois lançamentos claramente conectados um ao outro.

As quatro primeiras faixas… não tenho nem o que falar, só sentir. “Prosthetic” é uma paulada do começo ao fim, com direito a passagens aos 3:45 que remetem a “The Count of Tuscany”, do Dream Theater. As três seguintes (“Invasion”, “Carousel”, “The Strain”) mantêm a peteca lá no alto, incursionando em facetas mais pop e atmosféricas vez ou outra (por exemplo, o refrão de “Carousel”).

“Canary Yellow” é um trabalho bem sui generis, abandonando o peso em favor da melodia e da atmosfera envolvente. É a que recebeu o vídeo mais interessante, diga-se de passagem.

A música épica desta vez, “Messiah Complex”, foi dividida em cinco canções menores (“covardes!”, gritei mentalmente ao perceber que tinham “fatiado” a peça). Cada uma remete a um momento musical obviamente diferente dos demais.

A primeira parte (“Ivory Tower”) tem um apelo relativamente mais pop, com vocais bem melódicos. A sua sucessora, porém (“A Glutton for Punishment”), inverte o jogo e vem com as pauladas mais fortes do disco inteiro. A sequência “Marigold” equilibra esses dois universos. “The Sect” recupera linhas e riffs de “Cockroach King” e é o momento em que Diego finalmente ganha um espaço mais digno – ele conseguiu até me enganar com um solo de teclado cujo timbre é tão fiel a um saxofone que eu tive de procurar quem era o suposto instrumentista convidado, até descobrir que era o próprio Diego.

E tudo se encerra na subfaixa principal, “Ectobius Rex”. Com praticamente cinco minutos de duração, ela parece ser o lugar aonde as quatro outras queriam chegar, recuperando, de novo, temas de “Cockroach King” e o riff aparentemente inspirado em “The Count of Tuscany” que ouvimos em “Prosthetic”.

Sobre as inevitáveis comparações com Vector, só posso dizer que este trabalho é, sim, melhor que seu “irmão mais velho”, mas por uma margem bem apertada, e somente porque é mais diverso e mais longo.

E falando em duração, se o provável único defeito do quinto disco deles era ser curto demais, ele meio que acaba de perdê-lo agora que o sexto foi dado à luz; juntas, as obras estabelecem um diálogo musical sem ruídos na comunicação e somam mais de uma hora e meia do melhor do metal progressivo contemporâneo, feito pelo nome que caminha para assumir o lugar do Dream Theater como rei do gênero – se bobear, antes mesmo que o quinteto estadunidense encerre suas atividades.

Nota = 5/5

Abaixo, o vídeo de “Prosthetic”:

Resenha: The Cocoon – Richard Henshall

Reprodução da capa do álbum (© Hen Music)

Foram quatro anos de criação até que o guitarrista e tecladista inglês Richard Henshall, famoso por suas contribuições no Haken, To Mera, Nova Collective e Mike Portnoy’s The Shattered Fortress, deu à luz seu primeiro álbum solo, The Cocoon. Para completar a formação principal, ele conta com seus colegas de banda Conner Green (Haken) no baixo e Matthew Lynch (Nova Collective, Cynic) na bateria.

Este trio acima de qualquer suspeita ajuda o músico a fazer uma estreia sólida e segura, mesmo para quem já havia provado noutras ocasiões que merecia lugar de destaque na nova geração de guitarristas do heavy metal.

É verdade que menos de 50 minutos de música distribuídos em apenas sete faixas parecem um rendimento pífio para quatro anos de maturação. Mas podemos dizer que ser curto é o único defeito relevante do excelente The Cocoon.

A abertura “Pupa” é um ótimo cartão de visitas por resumir em dois minutos e meio a proposta musical do disco: instrumental técnico com direito a passagens serenas. Exceto que o álbum não é todo instrumental, e quem garante isso é o próprio Richard, que demonstra ser um vocalista à altura de sua própria música – e também dono de um timbre curiosamente parecido com o de seu colega de Haken, Ross Jennings, mas notadamente mais baixo.

Falando no sexteto de metal progressivo, não dá para não perceber uns toques de Haken no som de Richard. Pudera, ele é o guitarrista, segundo tecladista e, por muito tempo, principal compositor do grupo. A primeira música de fato, a faixa título, reafirma este parágrafo e o anterior por dez minutos – a mais longa da obra. Dentre seus destaques, temos o solo de saxofone de Adam Carrillo.

“Silken Chains”, com a participação do multi-instrumentista David Maxim Micic, valoriza mais o lado leve do guitarrista. É altamente técnica, mas com pouca distorção. “Limbo” leva isto para outro nível e se revela um trabalho com fortes toques de música ambiente – tanto que chega a ser monótona em comparação às suas companheiras.

“Lunar Room”, com Marco Sfogli, Ben Levin, Jessica Kion (os dois últimos do Bent Knee) e “Twisted Shadows” (com Jordan Rudess (Dream Theater) e o já mencionado Ross) repetem “Cocoon” e são os momentos mais técnicos – e melhores – do álbum.

Outro membro do Bent Knee, o violinista Chris Baum, deixa sua marca no disco, agora no encerramento “Afterglow”, que também equilibra bem os lados leve e pesado do trabalho.

A curta duração de The Cocoon faz com que ele pareça ter sido pouco para tudo que o músico tinha a oferecer. O que ao menos deixa espaço de sobra para um sucessor igualmente bom, quiçá até melhor. É, Richard… Você se deu uma missão tão difícil quanto a de outro grande guitarrista inglês da nova leva do metal progressivo, Lee Luland, do Prospekt (veja aqui minha resenha a respeito de sua estreia solo, realizada há pouco tempo) – superar um produto que já é de altíssimo nível.

Nota = 5/5

Abaixo, o playthrough de “Twisted Shadows”: