Resenha: Unlimited Love – Red Hot Chili Peppers

foto de uma placa-logo em neon com o nome da banda em verde e o nome do disco em amarelo (unlimited) e vermelho (love), tudo sobreposto ao símbolo da banda

Reprodução da capa do álbum (© Warner Records)

Uma das últimas boas notícias que nos agraciaram antes da pandemia de COVID-19 se abater sobre o mundo foi a volta do guitarrista John Frusciante ao quarteto estadunidense Red Hot Chili Peppers – de onde ele não deveria sair, mas vive saindo. Não que o seu mais recente substituto, Josh Klinghoffer, não estivesse à altura da missão. Mas quem estabeleceu o som do RHCP desde o final dos anos 1980 é a formação clássica de John, Anthony Kiedis (vocais), Flea (baixo) e Chad Smith (bateria). O resto foi, se muito, experimentalismo.

E o que os rapazes têm para nos oferecer nesta terceira temporada da formação? Bem, nada menos que 17 músicas. Num disco – de nome Unlimited Love, ou “Amor Ilimitado” em tradução livre – que sequer é duplo. E ainda tome uma 18ª faixa para os japoneses!

A abertura e primeiro single, “Black Summer”, deu até um calorzinho no coração logo nas primeiras notas, pois sabíamos que quem manejava aquela guitarra era, inconfundivelmente, John Frusciante. É uma canção que resume a essência do Red Hot do século XXI. Houve quem dissesse, jocosamente, que ela soava como uma “sobra” do Californication (1999). Não estão errados, mas… e se eu expusesse aqui o incômodo fato de que até uma sobra do RHCP ainda é melhor do que metade do que vem sendo lançado por aí?

Bom, voltando a falar da obra como um todo: daqui para frente, temos uma jornada com poucas surpresas. Um sentimento fortíssimo de nostalgia, pois parece ser algo que eles lançariam entre o By the Way (2002) e o Stadium Arcadium (2006). Mas uma jornada que uma hora cansa. Falarei disso daqui a pouco nesta resenha.

Antes, quero abordar as poucas, porém relevantes surpresas. A primeira é “Not the One”, canção suave marcada pelo piano, instrumento que o baixista Flea vem tocando com certa frequência e que tem trazido um bem-vindo novo elemento ao som do quarteto. Não está no nível de uma, digamos, “Even You Brutus?”, mas homenageia bem a era Josh. “Bastards of Light” faz a mesma coisa, desta vez incorporando teclados de um jeito que deixaria Danger Mouse (produtor do lançamento anterior, The Getaway (clique aqui para conferir minha resenha a respeito)) com um sorriso no rosto.

Sua sucessora, “Poster Child”, poderia ter saído do One Hot Minute (1995), único trabalho de estúdio do grupo com o guitarrista Dave Navarro. Talvez porque ela tenha me lembrado muito “Walkabout”. “White Braids & Pillow Chair”, por sua vez, transcende dimensões guitarrísticas criando um nível de sofisticação que a tornaria uma possível peça do Stadium Arcadium.

A tríade final (incluindo a faixa bônus) é toda fora da casinha: “The Heavy Wing” nem tanto do ponto de vista instrumental, mas sim porque tem uns bem-vindos vocais de John. “Tangelo” por ser uma levíssima balada em compasso ternário. E a bônus “Nerve Flip”. pesada, suja, crua, enfim, grunge no seu ápice. Um tributo à primeira passagem de John.

Ao lançar “Black Summer”, a banda descreveu Unlimited Love como “o passeio que é a soma de todas as nossas vidas”. Não posso confirmar isto por não conhecer tanto a vida deles, mas posso garantir que, se fosse “o passeio que é a soma de toda a nossa discografia”, aí eu concordaria sem pestanejar, mesmo achando que dava para ter feito isso com menos canções.

E talvez esteja aí o único defeito relevante do trabalho. Será que precisava mesmo de 18 faixas? Se sim, por que não dividi-las em dois discos de um álbum duplo, com um critério minimamente claro para a separação? Ou quem sabe fazer como no I’m With You (2011; clique >aqui para conferir minha resenha a respeito) e lançar sobras às dezenas? Diferente do que o título sugere, nem tudo precisa ser ilimitado.

Na verdade, mesmo com esta fartura toda, ainda não deu pra escoar tudo: os caras foram para o estúdio Shangri-La do produtor Rick Rubin com cerca de 100 músicas escritas e saíram de lá com metade delas gravadas. O resto pode virar um festival de lados b ou quem sabe até um disco novo. Mas eu aposto que dava para ter feito uma curadoria mais conservadora para este lançamento aqui.

Que a gente ansiava muito por esta reunião, nem se discute, mas quase 20 composições de uma vez? Rick poderia ter se imposto mais e aparado os excessos. Às vezes, a missão de tirar o melhor dos músicos significa também não tirar tudo até a última gota. Eu senti até certa dificuldade fazendo a resenha, pois quando chegava nos últimos minutos eu já não estava mais tão focado quanto nos primeiros. Uma ópera rock de 70 minutos é uma coisa, um compêndio de quase 20 faixas que parecem quase todas extraídas de uma mesma jam é outra.

Apesar disso, Unlimited Love já é um dos discos do ano e declara da forma mais cristalina possível que o Red Hot está de volta. Se tinha uma coisa “vintage” que precisávamos que fosse ressuscitada, era a formação clássica da lenda californiana.

Avaliação: 4/5.

Abaixo, o vídeo de “Black Summer”:

Resenha: The Getaway – Red Hot Chili Peppers

Breve histórico: Os Red Hot Chili Peppers são um dos maiores e mais bem-sucedidos conjuntos da história, donos de um som único e formados por quatro membros reconhecidos em seus campos de atuação. Tiveram seus altos e baixos, mas nunca deixaram de soar autênticos.

Reprodução da capa do álbum (© Warner Bros. Records Inc.)

Reprodução da capa do álbum (© Warner Bros. Records Inc.)

A primeira coisa que você precisa saber sobre The Getaway é que ele só veio depois de um grande contratempo. Em 2014, a banda já tinha quase 30 músicas prontinhas para o estúdio, mas o baixista Flea quebrou o braço ao praticar snowboarding. O resultado foram meses de suspensão dos trabalhos.

Quando o grupo finalmente estava arregaçando as mangas, eis que surge Brian Burton, mais conhecido como Danger Mouse, e sugere, na cara de pau mesmo, que deveria fazer um álbum com eles. Os californianos até levaram as canções que haviam criado, mas o produtor descartou tudo e ajudou a criar algo do zero. A pergunta que fica (e talvez jamais teremos resposta) é: ficou melhor ou pior do que o planejado originalmente?

Bom, o que sabemos é que o décimo primeiro lançamento de estúdio das lendas do funk rock está dividindo opiniões. Para alguns, uma tentativa fracassada de modernizar o som. Para outros, um louvável esforço experimental. Já eu prefiro resumir The Getaway com este gif. O famoso “marromeno”. Que não fede nem é perfumado.

A abertura, que é também a faixa-título, dita a tônica do álbum e deixa claro que o que prevalecerá são músicas levinhas com linhas de bateria que subestimam as habilidade de Chad Smith, um baixo irrisório, trabalhos minimalistas na guitarra e muitos teclados. O vocalista Anthony Kiedis, o único membro que entregou uma performance acima de qualquer crítica, é acompanhado nesta peça por uma tímida Anna Waronker.

Por outro lado, a sequência “Dark Necessities” mantém viva aquela chama de esperança, ela que foi a primeira a ser divulgada. Mistura as características mais típicas da banda com o teclado, instrumento que vem ganhando mais espaço na música do quarteto – o que é ótimo, dentro de certos limites. “We Turn Red”, por sua vez, chega em uma roupagem mais crua, quase sem teclados, com uma bateria que lembra “Blood Sugar Sex Magic”. “Goodbye Angels” é outra que agrada, com seu clima “Can’t Stop”.

Voltamos à chatice com “The Longest Wave”, mas esta desce bem por ter um forte refrão. O glorioso Elton John passa inacreditavelmente despercebido em “Sick Love”, onde o produtor Danger Mouse e o nosso orgulho nacional, Mauro Refosco, brilham mais – o catarinense também dá as caras na sequência “Go Robot”, sem dúvidas a mais experimental de todas, com uma roupagem típica dos anos 1980 – camadas e mais camadas de teclados, guitarras soando artificialmente, essa coisa toda. Não chega a ser ruim, mas não lembra em nada o Red Hot Chili Peppers.

A segunda metade de The Getaway vai intercalando momentos. “Feasting on the Flowers” tem ritmos cativantes que lembram um pouco do trabalho anterior, I’m With You (resenhado neste blog). “Detroit”, por sua vez, faz par com “We Turn Red” em mais um trabalho cru e direto, que deve agradar aos fãs das antigas. “This Ticonderoga” faz um meio termo entre ambas.

A tríade de encerramento “Encore”, “The Hunter” (onde Flea se contenta com um trompete e deixa as quatro cordas na mão de Josh) e “Dream of a Samurai” (uma faixa que ganhou mais minutos do que pediu) ressuscita a chatice que tanto comprometeu o álbum. Sabe o tal do “fechando com chave de ouro”? Pois é, passou longe aqui.

Difícil mensurar o saldo disso tudo. O álbum definitivamente não é nem uma bomba, nem uma joia. Não é uma bomba porque ele tem tudo o que você esperaria de um trabalho do quarteto californiano, mesmo que não o tempo todo. Mas não é uma joia porque em alguns momentos foge demais justamente dessas características pepperianas, perdendo-se em caminhos inéditos demais para a banda e nos quais ela definitivamente não parece à vontade.

Nota = 6. Quem é fã mesmo dos Red Hot Chili Peppers não vai simplesmente descartar The Getaway como um fracasso total. Por outro lado, ele é gasolina para a fogueira dos haters (acredite, há gente de pensamento medíocre o bastante para desmerecer esta grande banda como um todo – e, como eu acabei de dizer, este disco foi a deixa para eles saírem do armário aos enxames).

Abaixo, o vídeo de “Dark Necessities”:

Resenha: Josh Klinghoffer faz boa estreia em novo álbum do Red Hot Chili Peppers

Breve histórico: Red Hot Chili Peppers dispensa apresentações. São um dos maiores e mais bem-sucedidos conjuntos da atualidade. Criadores de um som único no mundo do rock, a banda sempre fez música apoiada na voz carismática do vocalista Anthony Kiedis e nas linhas criativas do baixista Flea, trocando diversas vezes de guitarrista e baterista até chegar na formação atual, que conta com Chad Smith nas baquetas e o novíssimo guitarrista Josh Kinghoffer, que vem substituir John Frusciante, músico presente em quase todos os álbuns do grupo em sua fase mais recente.

Reprodução da capa (© Warner Bros.)

Um bom tempo após lançarem o maduro e sofisticado Stadium Arcadium, o Red Hot Chili Peppers volta com seu décimo álbum, I’m with You. A maior novidade, sem sombra de dúvidas, é Josh Klinghoffer, guitarrista escolhido para entrar no lugar de John Frusciante. E o leitor pode ter certeza de que a escolha não foi precipitada.

O grupo não abandonou o seu som único, característico, nem deixou de usar alguns elementos presentes no álbum anterior, mas a troca de guitarristas é perceptível. Josh deixou sua marca no som da banda, sem piorar nem melhorar o que John vinha fazendo. Simplesmente cumpriu o seu papel e tranquilizou milhares de fãs exaltados com a saída de John. A cobrança do público provavelmente deve ter sido uma pressão e tanto para o caçula do grupo (Josh é quase 20 anos mais jovem que seus colegas de banda), mas o músico passou pelo teste, pelo menos até agora.

Apesar da diferença marcante na guitarra, o som em geral da banda não sofreu nenhuma mudança extrema com relação ao Stadium Arcadium. A maturidade e as melodias estão de volta, mas percebe-se mesmo assim uma certa evolução, que vai além da substituição de John. Em faixas como “Factory of Faith”, “Ethiopia” e “Dance, Dance, Dance” é possível ouvir alguns toques de Josh, enquanto que em outras, como “Even You Brutus” e “Meet Me at the Corner”, percebe-se um som novo, trabalhado.

O álbum é diverso e ao mesmo tempo constante. Sem surpresas e com pouca repetição. Há faixas Red Hot Chili Pepperianas como “Ethiopia”, emotivas como “Brendan’s Death Song” e inovadoras como “Look Around”, “Goodbye Hooray” e “Happiness Loves Company” (na qual o piano tem destaque, algo raro no repertório do grupo).

Nota = 7,5. O álbum não foi de menor qualidade que o Stadium Arcadium, como previam alguns, e a mudança das guitarras não estragou o som deles como temiam outros. Não é uma super produção nem nada que seja lembrado no futuro como um dos melhores álbuns da banda, mas atendeu às expectativas daqueles que fizeram o Red Hot Chili Peppers atingir a respeitável marca de 65 milhões de cópias vendidas.

Abaixo, a faixa “Happiness Loves Company”, uma das melhores do disco: