Resenha: The Gods We Can Touch – AURORA

uma imagem de Aurora vestida de preto ante um fundo vermelho. A imagem está fortemente distorcida como se houvesse um vidro ondulado entre ela e a câmera.

Reprodução da capa do álbum (© Decca Records / Glassnote Records; arte por Leif Podhajsky)

Queridinha no Brasil e razoavelmente popular no resto do mundo, a cantora norueguesa AURORA há anos prova que ainda existe vida inteligente no pop radiofônico. E seu novo lançamento mostra que mesmo numa carreira ditada pelo mercado, ainda há muito espaço para arriscar.

Se os trabalhos anteriores investiam forte em algo que chamei de “pop orgânico”, este toma um farto banho daquilo a que muitos se referem como “pop etéreo”, aquele que parece vir de outra dimensão. Mas a grande sacada de The Gods We Can Touch não é a adoção mais apaixonada dessa vertente, mas sim um investimento em peças variadas e, por que não, surpreendentes.

O “grosso” da obra é o tal do etéreo: ouça “The Forbidden Fruits of Eden”, “Everything Matters”, “Exist for Love”, “Exhale, Inhale”, “A Dangerous Thing”, “This Could Be a Dream” e “A Little Place Called the Moon” e você entenderá do que estou falando.

Mas temos momentos muito curiosos e empolgantes ao longo das 15 canções (mais duas bônus, totalizando quase uma hora de música, algo raro neste nicho e até no catálogo dela).

Às vezes essa empolgação virá pelo ritmo. Por exemplo, “The Innocent” vem com um piano para o qual é impossível não balançar. “Blood in the Wine” é um dos pontos altos (tanto da música do álbum como um todo quanto da entrega de AURORA individualmente falando); sua roupagem soturna nos remetendo a uma abertura de James Bond. Isso tudo a torna uma espécie de irmã de “The Devil Is Human”, que chega recheada com as mesmas qualidades. Ela é uma das duas exclusivas da edição vinil.

E um parágrafo inteiro tem que ser dedicado a “Cure for Me”: a música, em si, não fica entre os destaques, mas reafirma um recado que infelizmente ainda precisa ser dado em pleno 2022: a população LGBTQIA+ não precisa de cura. E agora o pulo do gato: há quem diga que o cativante riff de teclado é inspirado em “Aquarela do Brasil”, clássico de Ary Barroso. Fica aí o questionamento…

Às vezes a questão é a roupagem que o arranjo confere a alguma canção em particular. Em “You Keep Me Crawling”, AURORA manda mais uma performance vocal memorável enquanto sua equipe investe em violinos e um órgão quase infantiloide. “A Temporary High” nos transporta para os anos 1980 com tanta força que eu quase me vi num episódio de Stranger Things. Efeito semelhante, porém em grau bem menor, é causado pela faixa exclusiva da edição em vinil “The Woman I Am”. E o que falar de “Artemis”? Alguém estava preparado para ouvi-la brincando com… tango?

São tantas surpresas que ouvir este disco pela primeira vez causa vários “calorzinhos” no coração. E se você sente saudades do pop orgânico, quase folclórico dos lançamentos anteriores, provavelmente vai gostar de “Heathens”, que é o casamento perfeito das duas formas. O single “Giving in to the Love” também resgata um pouco das raízes mais “juvenis” dos álbuns anteriores dela.

A força do som etéreo fica em afiada sincronia com a temática do trabalho, cujo título se traduz como “os deuses que podemos tocar”. Cada faixa foi inspirada por uma divindade. Claro que não é um conceito revolucionário, mas é o suficiente para eu reafirmar minha constatação de que ainda existe vida inteligente no pop radiofônico.

Sem dúvidas o álbum mais forte da norueguesa, The Gods We Can Touch estabelece um novo patamar de qualidade para medir os lançamentos futuros de AURORA. Com música para todos os gostos dentro do pop (e até fora dele; reparem que meus gêneros favoritos são rock/metal), temos já em janeiro um sério candidato a constar entre os melhores do ano.

Avaliação: 5/5.

Abaixo, o clipe de “Giving in to the Love”:

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